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Um dos meus presentes do amigo secreto ano passado foi “Viver entre línguas”, da argentina Sylvia Molloy. Não conhecia a autora, mas o título chamou minha atenção - se tem uma coisa que eu conheço é viver entre línguas!
Em questão de dias devorei o relato da Sylvia, suas experiências crescendo e aprendendo os idiomas que foram parte da sua jornada, e os questionamentos que surgiram depois, já adulta. Ela vai mesclando sua história, como e porque foi aprendendo diferentes línguas, com suas reflexões sobre quando cada uma delas é protagonista em sua vida.
Espanhol com sua mãe, inglês com seu pai, francês um pouco depois, uma língua que sentia próxima do coração já que sua família materna vinha da França. Três idiomas, um milhão de usos: Sylvia reage à vida e vai escolhendo, às vezes conscientemente, às vezes não, com qual língua falar, pensar, sentir…
“Quiérase o no, siempre se es bilingue desde una lengua, aquella en la que uno se aposenta primero, siquiera provisoriamente, aquella en la que uno se reconoce. (…) A pesar de que tiene dos lenguas, el bilingue habla como si siempre le faltara algo, en permanente estado de necesidad.”
“Queira ou não, sempre se é bilíngue desde uma língua, aquela na qual se instala primeiro, mesmo que temporariamente, aquela na qual se reconhece. (…) Apesar de ter dois idiomas, o bilíngue fala como se sempre lhe faltara algo, num permanente estado de necessidade” (tradução livre)
“Viver entre línguas é uma coleção de textos breves que podem ser lidos como ensaios ou peças de ficção autobiográfica. Neles, uma mulher narra memórias e anedotas de sua vida enquanto reflete sobre língua, linguagem, plurilinguismo. Relatos sobre Jules Supervielle, Guillermo Hudson, George Steiner e Elias Canetti são intercalados com episódios de sua infância, atravessados por diferentes idiomas.
Na obra, Sylvia Molloy – argentina radicada há décadas em Nova Iorque e uma das maiores críticas literárias da América Latina – conta que, quando pequena, falava espanhol com a mãe, inglês com o pai e uma mistura de ambos com a irmã, quando ninguém as ouvia. Então veio o francês, como uma espécie de recuperação da língua que sua mãe herdara – e perdera – de seus pais. Cada idioma passou a ocupar espaços diferentes, colorindo-se de afetividades diversas. Vieram os anos de estudos na França, depois a mudança para os Estados Unidos. “Por que falo de bilinguismo, do meu bilinguismo, a partir de um idioma só, e por que escolhi fazê-lo a partir do espanhol?”, pergunta-se a narradora. “Em que língua acorda o bilíngue?”, “Em que língua sou?”.
Por que ler “Viver entre línguas”?
Minha razão pra ter gostado desse livro é muito pessoal. Me senti identificada com a curiosidade da Sylvia em entender o lugar que cada idioma ocupa em sua vida porque esse é um dilema que conheço bem. De criança aprendi meu lindo português e fui incorporando o espanhol e o inglês conforme crescia e ia abrindo meu lugar no mundo. Assim como a autora, me sinto meio Frankenstein, cheia de retalhos linguísticos que às vezes são uma benção, às vezes somente confusão.
Acredito que outras pessoas bilíngues vão se sentir atravessadas pelo relato da autora e começar a se questionar sobre seus próprios usos dos idiomas. Mas mesmo quem não fala outras línguas poderia gostar da forma simples e reflexiva como a escritora compartilha sua experiência e analisa a comunicação, o processo de aprendizado, a razão e a emoção que estão ao redor de tudo que somos.
Além disso, é um livro curtinho e gostoso de ler. Nostálgico, conhecemos a Sylvia criança que se formou com palavras de duas origens distintas dentro de casa, tanto que com sua irmã criaram uma linguagem própria para se comunicar em segredo. A autora se mostra vulnerável e real, compartilhando vivências da sua infância e juventude, assim como sua vida como imigrante, adulta e profissional da comunicação - sempre vivendo entre palavras, até mais do que entre línguas.
No livro, a Sylvia faz perguntas para as quais não possui resposta, mas que nos levam a refletir junto com ela. Por que falamos o que falamos da forma como falamos? Por que me é tão natural conversar com determinadas pessoas de um jeito e com outras de outro? Por que sonho nesse idioma e penso nesse outro? E por que às vezes tudo se inverte e começo a misturar os dois?
Por que não ler?
Não recomendaria o livro se você não curte histórias autobiográficas ou relatos que são pura reflexão. A Sylvia não conta uma típica história linear, embora tenha seu começo, meio e fim. Sua escrita é como um pensamento fluindo: às vezes aparece uma memória, outras vezes surge uma ideia, logo uma pergunta, e vamos pensando com ela.
Mais sobre o livro e a autora:
“Me pregunto cuál será la lengua de mi senilidad, si en ella caigo, y en qué lengua moriré. Seré trilingue o en los desechos que emita primará una lengua sobre las otras? Por otra parte me alivia el hecho de que, por una vez, no tendré que elegir.”
“Me pergunto qual será a língua da minha senilidade, se nela chegar, e em que língua irei morrer. Serei trilíngue ou uma língua terá precedência sobre as outras nos resíduos que emitir? Por outro lado, me sinto aliviada pelo fato de que, ao menos uma vez, não terei que escolher” (tradução livre).
Que interessante, Regie. Esse trecho final que você colocou me chamou muita atenção, em qual língua se morre. Me lembrei do filme Vidas Passadas, que é lindo e aborda mais ou menos o mesmo tema.
Um beijo.
Adorei a recomendação por me fazer lembrar esse livro que uma vez vi por acaso numa livraria, me chamou a atenção porque o tema me interessa, mas acabei não comprando na época, nunca mais o vi e acabei me esquecendo dele.
Vou comprar pela internet.